Três irmãos, 81 primos, 57 pelo lado paterno e 28 por parte da mãe. Nascida na pequena Frutal, no interior de Minas Gerais, pode-se dizer que a vida deu a Solange Oliveira Rezende uma base completa sobre simplicidade, senso coletivo, resiliência e a capacidade para valorizar os pequenos detalhes como poucos. Crescer no interior a ensinou a olhar o mundo com carinho e a valorizar cada conquista.
Décadas depois, aqui está Solange, professora do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da USP, em São Carlos, e coordenadora do MBA em Inteligência Artificial e Big Data, um dos cursos mais atualizados em solo brasileiro, que alia inovação e aplicação prática de ferramentas dentro do universo da Inteligência Artificial e do Big Data. Como ela faz questão de enfatizar, “a vida me ensinou a valorizar cada oportunidade e, hoje, no ápice da minha carreira, posso dizer que continuo aprendendo e ensinando com o coração aberto”.
Na USP São Carlos, ela faz muito mais do que inspirar seus alunos na função de coordenadora. Atualmente à frente da 4ª turma do curso, ela atende 270 estudantes, ajudando-os a fomentar debates, encaminhar suas dúvidas e a buscar estratégias para que concluam seus projetos com sucesso.
Quem conhece Solange, sabe que não deve ter sido difícil para a mineira decidir ser uma professora. Afinal, o maior dos seus sorrisos, tão marcantes e provenientes de sua sensibilidade, foi perceber que sua história poderia inspirar outras pessoas. E o dom de ensinar veio desde a vida na fazenda.
Infância
Nascida em Frutal – cidade a 600 km da capital Belo Horizonte – em 1964, Solange cresceu morando na zona rural junto da família no município limítrofe de Comendador Gomes, fundado 14 anos antes. A infância se concretizou em um ambiente simples e com menos de 3 mil habitantes, mas repleto de aprendizado. Foi ali mesmo na fazenda, em condições rudimentares, que a mais velha dos quatro irmãos se apaixonou por Ciências Exatas. Acima de tudo, Matemática.
Por falta de recursos na zona rural, o pai de Solange contratou uma professora para alfabetizar e ensinar os filhos no período correspondente ao início do Ensino Fundamental.
“Essa paixão pela Matemática veio graças a uma professora que começou nos ensinando em casa, trazia muitas contas, relacionava o mundo com as contas e eu gostava de ficar fazendo. Além disso, meu pai fazia muitas contas no caderninho dele, no papel, e eu achava super interessante. De repente, pode ter sido a influência do meu pai, mas o ponto central é que eu gostava de ensinar. Como eu gostava de ensinar e eu gostava de Matemática, o processo foi bem natural”, revela Solange.
Influência para ser direcionada às Ciências Exatas
Na adolescência e juventude, seu mundo foi se expandindo. O gosto pelos estudos se tornava o passaporte para realidades antes inimagináveis para quem morava na roça. “A educação se tornou minha grande paixão. Eu sabia que queria ir além, não por ambição, mas por vontade de aprender e contribuir”, reconhece Solange.

Os parentes também tiveram uma considerável contribuição para a trajetória da mineira. Primeiramente, Solange observava que a grande maioria dos primos e primas não buscava se sobressair nos estudos e mal terminava o Ensino Médio. Muitos priorizavam o trabalho em suas terras no campo. Mas houve exceções que, em um segundo momento, a guiaram para o caminho universitário.
“Eu tenho duas primas que foram aprovadas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que foi onde acabei fazendo minha graduação. Não posso negar que elas foram uma espécie de inspiração”, admite.
Ligação com a Computação e a IA
Como uma mulher que quebrou paradigmas acreditando em si e construindo caminhos diferentes para buscar seus sonhos, Solange foi aprovada no vestibular para o curso de Licenciatura em Ciências – com habilitação em Matemática pela UFU, em 1983. Durante a graduação, a Computação apareceu e, não muito distante, a paixão à primeira vista pela área de Inteligência Artificial.
“Tive um professor de Matemática na graduação que me fez gostar de Computação. Em uma viagem para a Polônia, ele trouxe um MacBook e, numa sala de aula, numa disciplina de Topologia, perguntou se havia alguém com interesse em estudar algumas coisas de Computação. Daí uma amiga e eu começamos a estudar com ele. Aprendemos PROLOG e eu me apaixonei por isso, porque nessa linguagem de programação lógica, eu fazia cálculos de limite, integral e assim por diante. Foi esse professor que me permitiu fazer escolhas diferentes, e eu escolhi caminhar para a Inteligência Artificial graças a ele”, relata Solange.
Curiosamente, foi em março de 1985, durante a graduação na UFU, que Solange ouviu o termo ‘inteligência artificial’ pela primeira vez. E ela não deixa de se emocionar com as palavras exatas do seu professor.
“No momento em que nós estávamos estudando essa linguagem de programação, no começo de tudo, há 40 anos, ele virou e nos disse: ‘Olha, escrevam aí, esse nome (IA) que direi a vocês vai dominar o mundo. Ou vocês estudam e dominam o mundo junto ou vocês serão dominados pela IA’”, revela.
Após completar a graduação em 1986, Solange foi aprovada no Mestrado em Ciências de Computação e Matemática Computacional na USP, em São Carlos, tornando-se mestre em 1990. Ali mesmo no ICMC, veio a entrada no Doutorado em Engenharia Mecânica, onde sua tese foi direcionada à aplicação de módulos automáticos para planejamento de processo assistido por computadores em soluções híbridas de planejamento. Solange realizou pós-doutorado na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, de 1995 a 1996, conquistou sua livre-docência em 2004, e o cargo de professora titular em 2023, também no ICMC-USP.
Referência como professora e coordenadora no MBA em IA e BigData
Na atualidade, a pesquisadora de 60 anos é uma das maiores referências nacionais em IA, atuando principalmente nos temas relacionados com Aquisição de Conhecimento para Tomada de Decisão envolvendo Mineração de Dados e Textos, Análise de Sentimentos e Sistemas de Recomendação.
No MBA em IA e Big Data, a coordenadora também ministra as quatro disciplinas de Metodologia e Projeto para Inteligência Artificial e Big Data, do Módulo Soluções, e mais o tema Inteligência Analítica usando Mineração de Textos, do Módulo Avançado. Extremamente realizada na função, Solange tem total responsabilidade de sua influência a dezenas de jovens que sonham em desbravar um segmento novíssimo e, muitas vezes, inexplorado da economia.

“Esses alunos do MBA são profissionais que atuam nesse mercado, que têm uma agenda intensa, que têm família e se encaixam em uma formação de 15 meses com mais de 400 horas. Então quando formamos pessoas bem qualificadas em IA e em BigData e vão atuar nos seus negócios com mais responsabilidade e com mais conhecimento, a sociedade ganha com os resultados. Para mim, o MBA engrandece a minha carreira pela possibilidade de fazer uma contribuição efetiva com quem está atuando no mundo dos negócios e que precisa desse conhecimento para ser um profissional ímpar e bem-sucedido”, reforça a professora do ICMC-USP.
E será que, na visão da professora do MBA, a Inteligência Artificial terá êxito no seu compromisso de alterar positivamente o ramo das Ciências de Dados e da Computação na sociedade? Após 40 anos de experiências no assunto, Solange enxerga que os benefícios da prática já se tornam invisíveis para a sociedade, de tanto que são utilizadas nas mais diversas áreas do conhecimento, e a tendência é que o fenômeno abra mais fronteiras no mercado de trabalho e acadêmico.
“A IA já mudou positivamente todo o ramo da Computação e de todas as áreas do saber. Hoje, os profissionais já buscam mais conhecimento de IA para atuarem em seus segmentos sem a necessidade de fazer uma mudança brusca de carreira. Eles querem uma melhor formação para poderem impactar positivamente a sociedade e a IA hoje viabiliza apoio a processos de tomada de decisão em todas as áreas, desde que tenham dados. Hoje, as pessoas que usam um celular, um smartphone, já usam IA e, na maioria das vezes, nem percebem o que está acontecendo por trás disso. Para você ver a contribuição que a tecnologia traz ao ser humano de forma praticamente invisível”, encerra.
Para informações específicas sobre projetos, publicações e orientações, você pode acessar diretamente o Lattes da professora.
Texto: Matheus Martins Fontes, da Fontes Comunicação Científica
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