Nem sempre a vida segue o roteiro planejado e Ricardo Cerri sabe bem disso. Quando era estudante do ensino técnico em eletroeletrônica, na ETEC de Rio Claro, esperava ser efetivado no estágio. O “não” que recebeu, no entanto, o levou a fazer uma escolha decisiva: buscar uma universidade pública e de excelência.
“Se tivesse sido efetivado, talvez tivesse feito engenharia elétrica em uma instituição privada. Meu caminho seria completamente diferente”, conta.
A virada de chave seguinte veio já na graduação em Ciência da Computação, na Unesp de Rio Claro. Ricardo abriu mão de um estágio em suporte técnico bancário para se dedicar à iniciação científica em bioinformática, uma aposta que mudaria sua trajetória. “Ali eu descobri o prazer da pesquisa. Foi quando entendi que queria ser cientista”.
Hoje, Cerri é professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), além de lecionar no MBA em Inteligência Artificial e Big Data da USP. E carrega consigo não apenas o entusiasmo por resolver problemas reais com IA, mas também o desejo de formar novas gerações de pesquisadores com autonomia e propósito. “Talvez eu não seja o professor com o melhor material do mundo, mas gosto de ser alguém que cria oportunidades. Que aponta caminhos e acompanha os passos dos alunos”.
Vocação na ciência
Natural de Rio Claro (SP), Ricardo estudou em escolas públicas durante toda a infância e adolescência. Apesar da afinidade com matemática, chegou a cursar Química por um mês na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mas logo percebeu que sua vocação era outra. Só após dois anos de cursinho, veio a aprovação em Ciência da Computação.
Na graduação, encontrou um modelo inspirador no professor Carlos Fischer, que o incentivou a seguir na carreira acadêmica. O caminho seguiu direto: mestrado e doutorado no ICMC-USP, orientado por André de Carvalho. Durante o doutorado, passou um período na Inglaterra. Mais tarde, em 2019, fez pós-doutorado na Universidade do Porto, em Portugal, onde mergulhou em uma nova linha de pesquisa: classificação multirrótulo em fluxos contínuos de dados, investigando algoritmos capazes de lidar com grandes volumes de dados que chegam em tempo real.
Mesmo investindo em outras áreas, nunca deixou a bioinformática de lado. “É uma área que ainda exige muito do conhecimento humano. A IA pode acelerar, sugerir, priorizar… mas a validação do biólogo, do médico, continua essencial. A máquina é ferramenta, não fim”, reflete.
Foi também durante esse período fora do Brasil que viveu um dos momentos mais marcantes da vida pessoal: durante uma viagem à Paris, na França, pediu a namorada em casamento. “Ela largou a vida profissional no Brasil para me acompanhar em Portugal. Nosso casamento precisou ser adiado por causa da pandemia, mas aconteceu em 2021”, conta.
Hoje, são pais do pequeno Rafael, de um ano e meio. “O nascimento do meu filho transformou nossas vidas”, diz, com orgulho.
Entre universidades e decisões
Depois do doutorado, em 2013, Ricardo passou por diferentes instituições públicas até retornar à USP, em 2024. Foi analista da Embrapa, em Brasília, por seis meses, experiência que, segundo ele, o afastou da pesquisa: “Era muito voltado à computação comercial. Sentia falta da ciência”.
Em seguida, lecionou por um breve período na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), até ser aprovado em concurso na UFSCar, onde permaneceu por nove anos. “Mesmo comparada a outras universidades federais de excelência, a estrutura da USP é muito mais robusta. E a visibilidade da carreira também cresce estando aqui”.
Hoje, divide a rotina entre São Carlos e Rio Claro, onde vive com a esposa Carla e o filho. Um dos motivos para manter o vínculo com a cidade natal é o apoio dos avós na criação do menino. “Ele convive muito com os avós e isso é um privilégio”, destaca.
Uma vida com dados, voz e contrabaixo
Fora da universidade, o professor também cultiva paixões artísticas. Já tocou contrabaixo em uma banda de pop rock e atualmente canta no Madrigal CorDaVoz, grupo de Rio Claro especializado em arranjos de música popular brasileira. Seus ídolos vão de Raul Seixas a Rolling Stones. Já a música que considera a trilha sonora da sua vida é Apenas mais uma de amor, de Lulu Santos.
“O trecho que diz ‘o que eu ganho, o que eu perco, ninguém precisa saber’ ressoa muito comigo. Não preciso ficar contando para ninguém minhas vitórias ou derrotas, elas são minhas”, reflete. Discreto nas redes sociais, brinca que o que mais publica são fotos de cervejas. “Tem gente que diz que sou blogueiro de cerveja”, ri.
IA para resolver problemas reais
No MBA em IA e Big Data, Ricardo ministra a disciplina de Redes Neurais e Aprendizado Profundo e seu entusiasmo tem atraído a atenção de alunos das mais diversas áreas, como biologia, física e medicina. Ele já orientou trabalhos sobre identificação de impressões digitais, seleção de genótipos de maracujazeiro amarelo e redes neurais para análise de sequências de DNA.
Para o docente, a inteligência artificial aplicada à bioinformática representa um avanço significativo para a área da saúde. Ao permitir a análise integrada de dados clínicos e genômicos, algoritmos de IA podem acelerar descobertas, reduzir custos laboratoriais e oferecer suporte mais preciso para diagnósticos e tratamentos.
“Vejo muitos ganhos nessa área. Um deles é justamente a possibilidade de usar algoritmos para trabalhar com dados clínicos ou genômicos de pacientes e, a partir disso, recomendar ou ao menos filtrar possíveis soluções para um biólogo ou médico”, explica. Segundo ele, isso permite, por exemplo, identificar com mais rapidez marcadores genéticos relacionados a doenças, diminuindo o tempo e o custo de análises que, antes, exigiriam grande esforço manual dos especialistas.
Ricardo diz que um dos trabalhos que têm orientado busca construir um modelo capaz de prever o diagnóstico do Alzheimer com mais antecedência, usando dados multimodais, ou seja, combinando informações clínicas, genômicas, imagens e eletroencefalogramas.
“Isso pode ajudar a distinguir, por exemplo, se a pessoa está com Alzheimer, com um transtorno cognitivo leve ou se não apresenta nenhuma alteração”, conta.
Para ele, o MBA é mais do que uma oportunidade de atualização profissional: é um espaço de transformação. “Não importa a área em que você atua: mais cedo ou mais tarde, vai precisar lidar com dados. O MBA te prepara para isso, para extrair conhecimento, tomar decisões melhores e aplicar inteligência artificial de forma ética e responsável”, finaliza.
Texto: Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica
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